Artigo originalmente publicado na Revista Património (Nº3 – Dez. 2015), por Alexandra Alves Chefe da Unidade de Turismo da Câmara Municipal de São João da Madeira e coordenadora da SubComissão Técnica da Norma da Qualidade do Turismo Industrial Portuguesa. Tem-se dedicado à investigação e ao desenvolvimento de projetos de turismo industrial nacionais e internacionais.
O turismo na indústria
O conceito de Turismo Industrial (TI), enquanto indústria viva, surge em França no final dos anos 80, com a denominação de Tourisme de Decouverte Economic. Este programa permitia os empresários mostrar o funcionamento das suas empresas e a qualidade dos produtos a estudantes e clientes.
Com o desenvolvimento destas visitas surgiram grupos que tinham especial interesse em entender os processos produtivos utilizados.
Este fenómeno foi-se estendendo por toda a Europa, tendo uma grande aceitação em Espanha, Itália e Grã-Bretanha.
O TI reúne várias áreas dentro do mesmo conceito, a visita à indústria viva, em que se visitam empresas que estão em atividade e onde se podem observar distintas indústrias quer pelo seu valor histórico, quer pela componente inovadora, ou ainda pelo valor afetivo.
Outra área que complementa este conceito é a do Património Industrial, onde se inserem os museus e infraestruturas que permitem descobrir e guardar o conhecimento de como se fabricavam determinados produtos ou de como estava organizada uma sociedade num determinado momento. Esta área tem a seu favor o interesse cultural de preservar as raízes culturais de determinados grupos profissionais, o que lhe permitiu avançar de uma forma independente.
Um turismo de aprendizagem
Agrupando locais que apresentam o savoir faire do passado, do presente e do futuro, o TI atrai cada vez mais pessoas desejosas de conhecimento e cheias de curiosidade. Muitos visitantes estão ansiosos por descobrir os bastidores, por admirar as inovações do homem, e por saber mais sobre o fabrico dos produtos que tanto apreciam ou sobre os produtos que consomem regularmente.
O TI tem um claro potencial de crescimento no mercado global. Tem a capacidade de combinar conhecimentos, sentidos e emoções, satisfazendo todas as expectativas dos turistas que pretendam desenhar o seu próprio programa de experiencia turística.
O TI é uma fonte de desenvolvimento socioeconómico sustentável, que ajuda a promover uma nova imagem da indústria e dos territórios.
Em relação às empresas, o TI é um desafio para o negócio, permitindo o reforço da sua imagem pública. De facto, para além de mostrar os bastidores do trabalho, permite também desenvolver a imagem de marca da empresa, promovendo, simultaneamente, o valor do seu savoir faire, promovendo a lealdade dos visitantes e ainda alcançar novos clientes. É igualmente, uma alavanca para a região mostrar o seu património económico, constituindo também uma oferta turística suplementar. Finalmente, além de ser uma fonte de crescimento e criação de emprego sustentável, o TI promove a identidade cultural, as tradições e a memória coletiva.
S. João da Madeira: um caso de sucesso
O TI mais precisamente, os Circuitos pelo Património Industrial de S. João da Madeira nasceram em janeiro de 2012, baseando-se numa nova dimensão turística assente na indústria tradicional sanjoanense – passado e presente – e nas novas indústrias tecnológicas e criativas, que são também uma marca de identidade da cidade.
S. João da Madeira (SJM) tem sabido construir uma história de sucesso, conciliando o sonho com o empenho indispensável para arregaçar as mangas e pôr mãos à obra.
Esse espírito de inovação e essa capacidade concretizadora são marcas indeléveis da indústria desta cidade, bem vincadas em muitas das suas fábricas, desde os inícios do século XX, quando, a então vila, começou a afirmar-se como um polo incontornável do mapa empresarial português.
A Empresa Industrial de Chapelaria, hoje Museu da Chapelaria, a Viarco, única fábrica de lápis no país, ou a Metalúrgica Oliva, que renasce como incubadora de criatividade, simbolizam a forma como em SJM se conjuga a recuperação e a preservação dos edifícios com a sua adaptação às novas exigências económicas, sociais e culturais da cidade e do país. A essa relevância histórica e emblemática destas três marcas, soma-se o dinamismo empresarial registado noutras áreas, com destaque para o setor do calçado, que soube adaptar-se a novos tempos apostando na qualidade, na inovação, na criatividade, na moda e no design.
Com Beneficiando das potencialidades do património industrial que caracterizam este concelho, considerou-se pertinente desenvolver o TI em SJM. Ambicionou-se que um projeto como este visasse a utilização de recursos endógenos passíveis de constituir produtos turísticos temáticos de reconhecida valia e capacidade de atração de turistas. Era uma realidade em alguns países, e agora também em SJM, o aproveitamento da indústria local, para fins turísticos tem tido muito sucesso.
É importante referir os efeitos positivos que se produziram na imagem da cidade, e que ajudam a modificar a perceção que existe das urbes industriais, tidas como cinzentas, poluentes e barulhentas.
Não existem muitos concelhos com um número substancial de locais associados à indústria abertos e fruídos pelo público; como é o caso de SJM, que coloca este projeto como sendo o mais completo ao nível da oferta, permitindo que a região tenha vantagens competitivas sobre outras.
O TI permite assim afirmar como um produto turístico de elevado valor económico, cultural e lúdico, através do qual os turistas conhecem empresas em laboração e revivem atividades de outros tempos através das visitas ao património.
A criação destes circuitos contribuiu para uma maior proteção e conhecimento do património industrial do concelho, quer ao nível do edificado, quer ao nível dos processos de fabrico e da maquinaria industrial.
Com esta iniciativa, que explora o património histórico e industrial do concelho e dá a conhecer as inovações tecnológicas que traduzem a dinâmica empreendedora dos industriais sanjoanenses, o Município de SJM desenvolve e oferece um turismo de experiência idêntico àquele que já existe noutros países da Europa, mas diferenciador pelo facto de compilar num só concelho e com gestão autárquica.
Foi o primeiro projeto do género a ser criado em Portugal, com a particularidade de ter um centro de acolhimento aos turistas, situado na recuperada Torre da Oliva, que faz a gestão e a organização das visitas.
O impacto social
A análise que é feita devolve-nos resultados pertinentes no campo turístico, passando o concelho a estar sinalizado no mapa turístico nacional e internacional, facto que até ao momento não se verificava. Assim, desde a abertura do projeto do TI, os parceiros que fazem parte deste roteiro já receberam mais de 175.000 visitantes (dados de março 2020).
O impacto nas empresas, esse, é outro, relacionado com o produto, as pessoas e a organização interna de cada uma. O maior contributo para as empresas é, em alguns casos, o marketing desenvolvido naturalmente dos produtos e a sua consolidação.
Há um aumento da lealdade do cliente na aquisição dos produtos das empresas que visitam. Este facto deve-se à observação direta do modo de produção; à emoção de ver os processos e métodos de fabrico; à compreensão de como nasce um produto, o que permite criar um vínculo de pertença aos lugares em atividade e à sua produção; à interação com os funcionários e à observação das normas de qualidade utilizadas. Ainda neste âmbito, e mais concretamente em relação à compreensão do método de investigação do processo produtivo, as visitas permitem um feed back instantâneo, ajustando os produtos de acordo com os desejos do cliente.
No processo de produção, as visitas também contribuem beneficamente uma maior valorização pessoal, uma vez que os funcionários adquirem maior orgulho em relação ao seu trabalho e à empresa onde laboram, aumentando a sua autoestima.
Além disto, os investimentos no TI permitiram a criação de uma cidade mais atrativa, em termos turísticos, com a revitalização de instalações industriais antigas criando uma imagem mais agradável da cidade.
Ressalva-se ainda, o facto de este projeto ter desencadeado um conjunto de ações relacionadas com o TI, nomeadamente, encorajando outros municípios no desenvolvimento de projetos semelhantes. Logo, com o crescente número de projetos de TI tornou-se importante normalizar estes processos, e como tal foi criada a Norma da Qualidade do TI, no qual o Município de SJM foi o coordenador, passando assim, o setor do património industrial a fazer parte dos serviços de turismo certificado, o que abre excelentes perspetivas para o incremento da sua comercialização.
Tendo consciência que o TI, em Portugal, é ainda muito incipiente considerou-se fundamental a criação de uma Associação Europeia de Turismo Industrial (IT Europe), do qual o TI de SJM é membro fundador, e que consiste numa rede de organizações públicas e privadas especializadas na gestão, promoção e comercialização deste produto turístico, tanto à escala nacional, regional, bem como, na europa.
Cremos que é fácil constatar o enorme potencial que o turismo industrial apresenta, como o comprova o caso de S. João da Madeira. Mas é, igualmente, importante perceber o impacto real deste turismo do “saber fazer” nas pessoas e nas cidades.
Hoje, S. João da Madeira respira novamente indústria, com orgulho de mostrar as suas mãos sujas do trabalho, que ao longo de anos conseguiriam construir impérios empreendedores aliados a suspiros de inovação criativa.
Apresentamos, assim, uma cidade – S. João da Madeira – aberta ao mundo preparada para ensinar, divertir e entreter os seus visitantes.