TRAJETÓRIAS DE RESISTÊNCIA FEMININA NA EMPRESA INDUSTRIAL DE CHAPELARIA
Na década de 1970, a instabilidade vivida no país, consequente do 25 de abril de 1974, conduziu ao desenvolvimento de uma nova consciência, frequentemente manifestada através de movimentos que reivindicavam melhores salários e condições de trabalho. A Revolução dos Cravos veio permitir que homens e mulheres pudessem exigir e negociar os seus direitos, a viva voz.
No caso da indústria da chapelaria, a história recorda-nos que, em 1976, decorreu a “Greve dos 33 dias”, na qual se exigiam melhores salários e outras regalias sociais. Esta longa greve, que teve início no dia 14 de abril, durou mais de um mês e encontra-se documentada na imprensa local sanjoanense, nas edições d’O Regional de 8 e de 22 de maio de 1976.
O que a história não registou, foi a greve protagonizada pelas mulheres operárias da Empresa Industrial de Chapelaria (EICHAP) exigindo equiparação salarial de género. À época, um dos problemas com que a EICHAP se deparou foi a falta de mão-de-obra, sobretudo masculina. Uma das soluções encontradas passou pela transferência das “moças mais novas” que trabalhavam na costura, para a secção da afinação de chapéus.
Deolinda foi uma das jovens que passou a trabalhar na secção da afinação, a par de um operário do sexo masculino. A melhoria de salário (que passaria de 960$00 para 1.800$00) foi uma das vantagens que viu nesta mudança, “o que nunca mais acontecia”. Recorda que, estava grávida do seu primeiro filho quando, um dia chegou à fábrica e disse “Isto não pode continuar! Exigem-nos trabalho igual, queremos salário igual!”
Deolinda dirigiu-se ao escritório e expôs: “Oh Engenheira, venha que a Dalila quer falar consigo!” Dalila, chapeleira, sindicalista obstinada, nem sabia o que se passava. Mas ficou do lado das companheiras. Pararam a fábrica! Durante 3 dias. Não há nenhum registo sobre esta greve. De acordo com Dalila, “Foi na firma só. Não foi a nível sindical. (…) Não era a direção do sindicato que estava nas negociações. Eramos nós!” E o “nós” eram as mulheres da Empresa Industrial de Chapelaria!
Esta negociação interna facilitou a uniformização do “trabalho igual, salário igual” nas restantes fábricas de chapéus.
É importante percebermos que o contexto político-social da época era de liberalização e democratização, fortemente marcado pela Revolução dos Cravos. Não menos importante eram os movimentos feministas que começavam a mostrar-se, os quais questionavam o papel da mulher na história, obrigando à revisão da sua ausência e conferindo-lhe algum protagonismo.
Ao analisarmos a tabela salarial da indústria da chapelaria, do Boletim do Trabalho e Emprego pela Convenção Coletiva de Trabalho de 1979, podemos verificar que, embora ainda existissem desigualdades salariais entre mulheres e homens nas carreiras de Encarregado, Indiferenciado e Aprendiz, nas categorias relacionadas com o sector da Afinação, onde decorreu a greve acima mencionada, essa situação já não se verificava.
Na história da indústria da chapelaria de S. João da Madeira, a mulher foi deixada na sombra. Apresentamos, agora, fragmentos de memória que perduram no tempo, que vão sendo resgatados, com o objetivo de que não caiam no esquecimento, pois “o maior património são as pessoas. E a maior herança é ter memória.” (PACHECO, Hélder)
Tânia Reis, investigadora do Centro de Investigação e Inovação em Educação, da ESE do Porto, e Gestora de Coleções do Museu da Chapelaria, na sua tese de mestrado “TRAJETÓRIAS DE RESISTÊNCIA FEMININA NA EMPRESA INDUSTRIAL DE CHAPELARIA”, trata o papel das mulheres na indústria da chapelaria e revela o seu importante papel para a reivindicação de melhorias laborais e sociais no setor.